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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Cinema sem projeção: a decadência de um símbolo da cidade de Ijuí/RS





Quando o Cine América, de Ijuí, no noroeste gaúcho, fechou suas portas em 2006, terminava uma era em que a população contava com uma opção de lazer destruída pelas novas tecnologias







Tudo começou em 1948 com o Cine Serrano. Localizado no coração da cidade, o cinema contava com 700 lugares. As sessões sempre lotadas, especialmente em fins de semana, atestavam o grande sucesso do empreendimento em Ijuí. Uma das freqüentadoras do cinema na época é hoje presidente da Fundação Cultural da cidade: “Esperava o sábado e o domingo pra encontrar amigos, para namorar. É uma cultura de muitos anos que Ijuí teve, uma opção de lazer”, afirma Maria Alice Sides.









Pouco tempo depois, em outubro de 1955, entrava em funcionamento o Cine América, com capacidade para 900 pessoas. A sala gigantesca, construída a uma quadra do Cine Serrano poderia representar uma forte concorrência. Mas ocorria exatamente o contrário: as duas empresas eram controladas pelos mesmos donos – a família Fantinelli – e um revezamento de filmes era realizado entre os dois cinemas para manter as salas sempre com lotação máxima.





Com um total de 1600 poltronas disponíveis à comunidade (somados os dois cinemas), a época de ouro do setor em Ijuí durou cerca de 30 anos. Foi então que as locadoras instaladas na cidade e o maior acesso da população à televisão resultaram na primeira baixa do cinema local: o Cine Serrano encerrou suas atividades na década de 80, por não conseguir arcar com as despesas de manutenção a partir do momento da debandada de público, que preferia ficar em casa acompanhando o que de mais genial havia sido criado até então em termos de tecnologia.



Os problemas financeiros também atingiram o Cine América, mas aproximadamente dez anos mais tarde, com o surgimento do DVD e a Internet. Em 1998, o América fechou suas portas, mas pouco tempo depois, após uma reforma, o local voltou a receber a comunidade. Com novidades aceitáveis para a época, seguiu funcionando até novembro de 2006, quando fechou para não mais reabrir.



Os problemas estruturais


Entre 2002 e 2005, eram comuns as reclamações do público que frequentava o Cine América. A principal delas estava relacionada à falta de conforto das poltronas (estofadas no assento e feitas de madeira no encosto) e o pouco espaço disponível. Com a deterioração do local, mesmo após a reforma na década anterior, não raro um cidadão que chegasse atrasado à sessão terminava desabando ao chão ao se deparar com um espaço sem poltrona.



A jornalista Gisele Noll conheceu esta realidade bem de perto: “Era muito desconfortável. As cadeiras não davam condições de você olhar um filme com prazer de ir ao cinema. Outra coisa é que o pessoal não respeitava o silêncio no ambiente, principalmente escolas. Não tinha o ‘lanterninha’ para te guiar ou para mandar as pessoas se calarem. Chegou um tempo que eu não queria ir”. Relatos de antigos clientes do Cine América ainda dão conta de que ratos poderiam ser vistos - e ouvidos - passeando tranquilamente durante as sessões pelos corredores da sala de cinema.



“O dono foi muito persistente. Até que não houve mais condições”, argumenta a presidente da Fundação Cultural. Das gloriosas exibições de “Titanic” e “Matrix”, na fase pós-reforma do América, que causaram filas imensas, ao fracasso “O Albergue”, o cinema ainda remanescente em Ijuí definhou de vez. Nas últimas sessões, era possível contar sem esforço o número de pessoas na sala gigantesca: no máximo 15. A sessão derradeira exibiu o filme “Seus Problemas Acabaram”, quando o Cine América já não atendia às segundas-feiras. Nem mesmo uma das maiores telas de projeção do Rio Grande do Sul foi capaz de atrair público.



A falta de investimentos





Mas como explicar a existência de salas de cinema em cidades vizinhas a Ijuí mesmo com o surgimento de novas tecnologias? Para Maria Alice Sides, trata-se da “perda de uma cultura antes muito incrustada na alma dos ijuienses”. E é justamente esta mudança drástica de cultura que pode justificar a ausência de investimentos no setor no município. “Em função do alto custo de manutenção, empresários dificilmente arriscam. A clientela pode ser pequena e não dar retorno. As pessoas têm medo porque no passado (o cinema) sucumbiu”, lembra a presidente da Fundação Cultural.


Logo após o encerramento das atividades do Cine América, chegou a ser ventilada a informação de que o espaço de 900 lugares poderia ser dividido em duas salas para receber mais filmes e, consequentemente, trazer a comunidade de volta para o cinema. Mas a ideia, conhecida por poucos, nunca saiu do papel. Da mesma forma, houve ainda a especulação de que uma sala de projeção seria construída no único shopping da cidade.



Para o estudante de publicidade e propaganda Rodrigo Klahr, a falta de visão de empresários da região é um dos motivos que impedem Ijuí de ter um cinema: “Um local bem administrado, que consiga receber o público de forma confortável, certamente se tornaria um negocio viável e lucrativo, pois o público é bastante variado e isso pode ser trabalhado de muitas formas, se aproveitando de situações e ocasiões especiais”. Logo após o fechamento do Cine América, o local foi comprado para a instalação de uma igreja. Hoje, é possível notar o mesmo efeito percebido no início das atividades do cinema: geralmente está lotado.



De acordo com a presidente da Fundação Cultural, é possível que uma sala de cinema possa ser instalada em um novo shopping ainda em fase de construção em Ijuí. Mais uma vez, é uma proposta que ninguém ainda sabe se vai ou não ser concretizada. “O cinema funciona como um impulsor de negócios, além de todas as possibilidades que hoje existem de se explorar o cinema de forma publicitária. Talvez o futebol seja a única coisa que eu vejo que consegue prender hoje todas as classes”, comenta o estudante Rodrigo Klahr.



Novos espaços



Hoje, algumas entidades culturais – entre elas a Fundação Cultural – e o poder público buscam a instalação de uma Casa de Cultura em Ijuí. O local poderia contar, entre outras atrações e espaços para atividades artísticas, com uma sala de cinema. É o que pensa Maria Alice: “Se tivéssemos uma Casa de Cultura, este seria o lugar para ter uma sala de cinema”. Há, inclusive, um local pré-definido: um prédio localizado ao lado de um trecho da via férrea que atravessa a cidade. O problema é que questões judiciais envolvendo a empresa que administra a via e o prédio impedem que a administração municipal seja autorizada a fazer investimentos na área.



Mesmo que o projeto saia do papel e que Ijuí de fato passe a contar com uma Casa de Cultura, é preciso muito mais do que apenas uma sala de cinema. É preciso uma sala de cinema com investimentos altos. “Eu acredito que hoje, por exemplo, o investimento de um empresário em uma nova sala de cinema com tecnologia de ponta daria certo. O que está em voga hoje são as novas tecnologias”, opina a presidente da Fundação Cultural.



A presidente da entidade ainda cita o Ministério da Cultura como fonte para a busca de recursos: “Não quer dizer que a prefeitura de Ijuí teria que manter sozinha (um possível novo cinema), mas existem formas, através do governo do estado e do Ministério da Cultura, de conseguir verbas para manutenção. Mas não existe esse interesse. A única forma é a comunidade se mobilizar”.



As novas gerações, que hoje envolvem crianças e adolescentes de até 12 anos, pouco contato têm com o cinema – especialmente os que vivem no interior do país. Geralmente recorrem à Internet, onde os filmes surgem mais rapidamente e com considerável qualidade de imagem e áudio. Ou simplesmente aguardam pela chegada das produções cinematográficas às locadoras. Maria Alice não esquece este grupo: “No momento em que essa nova geração que não conhece cinema passar a frequentá-lo, vai passar a gostar menos do DVD”.



As imagens que ilustram esta reportagem foram retiradas de http://ijuisuahistoriaesuagente.blogspot.com/p/curiosidades-sobre-cidade-de-ijui.html

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