Total de visualizações de página

Páginas

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Consciência pesada

Noite de Sábado, muito frio e sem vontade de sair. É dia de assistir filme, tomar vinho enrolado em um cobertor. Dá preguiça de cozinhar, o negocio é pedir uma pizza.
Isso foi o que fiz no sábado passado.
Liguei para uma pizzaria cujo telefone tenho colado na geladeira. Uma moça atendeu bem humorada. Pedi uma pizza media com dois sabores: Portuguesa e Brócolis. Ela perguntou se eu queria um refrigerante, mas como ia tomar vinho não pedi. Ela já tinha o meu endereço, pois a empresa instalou um software que identifica em um telefonema o nome, o endereço, as últimas encomendas. E eu sou cliente há um tempão. Pediu apenas para confirmar se endereço da entrega era o mesmo. Recomendei que quem fosse entregar a pizza buzinasse na frente do prédio, pois meu interfone está com defeito há séculos. A garantia era que dentro de “quarenta minutinhos” eu estaria recebendo a encomenda.
Tenho a impressão que quando eu estou com fome as coisas demoram mais. Em quarenta minutos “loquei” um filme em um camelô próximo. Por cinco reais iria assistir “A Origem” com Leonardo Di Caprio, se é que isso interessa agora. Quando voltei tomei banho, arrumei a cama, abri o vinho, liguei a televisão, “zapeei” por todos os canais sem encontrar algo que me chamasse alguma atenção. Normal para um sábado à noite. Coloquei o filme e constatei que já se passava dez minutos dos quarenta combinados.
O que parecia que estava tudo se encaminhando bem começou a “azedar”. Tenho a impressão que cada ano que passa eu fico mais impaciente. Mas enquanto decidia se ligava ou não para a pizzaria e reclamava do atraso escutei o barulho de uma moto se aproximando. Após alguns segundo a buzina soou conforme a minha recomendação. Desci para o andar de baixo para receber o entregador.
Como já estava impaciente já fui perguntando quanto é que ficava. Ele olhou para uns papéis e disse um valor que me pareceu muito baixo. Estendi o dinheiro, mas ele não viu e foi logo abrindo a caixinha que fica na traseira da moto. Retirou de lá um embrulho pequeno, não era a minha pizza. Parecia um “Xis” e tinha outro endereço fixado nele.
Falei que esse não era o meu pedido. O entregador tinha errado o volume. Ele balançou a cabeça “tsc desculpe senhor, peguei o pacote errado”. Conferiu o papelzinho que tinha na mão, aproximou e afastou dos olhos e voltou-se a caixa da moto “ah é a pizza!” Revirou a caixa e com um cuidado que me pareceu exagerado retirou a minha encomenda. “Que cara lerdo meu Deus” pensei.
A minha impaciência começou a aumentar. “Tá e quanto custa?” Perguntei ríspido. Ele olhou de novo, pra mim parecia que ele já tinha olhado tempo demais, para aquele papel. Fiquei a ponto de tomar de suas mãos e eu próprio ver quanto custava. Agora falou o preço que me pareceu condizente com a encomenda embora achasse injusto que a pizzaria cobrasse três reais a mais pela entrega. Passei-lhe o dinheiro que tinha. Precisava de troco. Abriu sua pochete e começou a contar o dinheiro. Pra mim era uma eternidade. Quando finalmente conseguiu entregar o que me era devido ele falou “obrigado senhor, tenha uma boa noite e desculpe o engano”.
“Certo” respondi, fechei a porta de vidro e antes de subir resolvi observar aquela pessoa que trouxe a minha janta. Enquanto ele fechava a caixa de encomendas e se preparava para partir, notei algo que deveria ter sido “visto” antes de sequer ele chegar a minha porta.
Deveria ter em torno de quarenta anos, o rosto era curtido do sol. Tive a impressão que trabalhava de dia e era entregador à noite. Suas roupas eram surradas, muito desbotadas. Seu casaco era de couro falso, seu cachecol estava esfarrapado e as luvas com alguns furinhos na ponta dos dedos. Não consegui ver os sapatos. A moto parecia que tinha vindo de uma viagem muito longa, do Nordeste talvez, para fazer aquela entrega. Era velha empoeirada e tinha muitos riscos na pintura.
Um sentimento de culpa começou a brotar dentro de mim. Pensei na vida daquele homem. Olhei o relógio e eram nove e trinta e cinco da noite daquele sábado. Que tipo de pessoa trabalha nesse dia, nesse horário, com esse frio entregando pizzas? Aquele cara não devia estar fazendo isso por diversão. Certamente tinha uma família. Deveria ser casado e ter filhos. Sendo assim deveria alimentá-los. Se ele estava ali aquele horário e não com os Seus é por que a coisa não deveria estar muito folgada. Aquele cara estava ali por que precisava e muito daquele dinheiro que eu a pouco pensara em reclamar. Fiquei me perguntando que horas ele iria descansar. E quando ele poderia fazer o mesmo que eu tinha me preparado para fazer aquela noite.
Quando ele se foi me senti nojento. Eu não tinha falado nada que pudesse ser considerado um desrespeito. Mas tinha pensado. E esses pensamentos, que ele não tinha nem como notar, pois estava preocupado com o seu ganha-pão, corroeram alguma coisa em mim que eu não sei exatamente onde.
Olhei para aquela situação e vi que esse não é um caso isolado. A gente sempre anda por aí sem notar as pessoas e nem consegue pensar um pouco o quanto elas batalham para sobreviver. O cara que trouxe o meu jantar, que eu ia comer assistindo um filme, deitado na cama, enrolado no cobertor e tomando um vinho, eu não sabia nem o nome. Apenas achava que ele estava muito enrolado e que deveria ser mais ágil. Percebi também que em diversas vezes reclamei quando na verdade o mínimo que eu deveria fazer era agradecer e entregar uma gorjeta pra esse cidadão que consegue viver com aquele trabalho sofrido, importante e digno. E tudo o que eu “consegui” foi pensar em seus defeitos como se eu não tivesse os meus.
Esse fato me fez lembrar um de um conhecido. Ele falou que a gente sabe o que é errado desde pequeno, nos primeiros anos de idade. Pois a gente se esconde pra mexer nas coisas dos pais. Não faz nenhuma travessura quando eles estão olhando. O padre, o guru ou pastor não precisam ensinar o que é pecado. A gente sente quando erra, mas é hipócrita de perguntar “isso é errado?” Foi o que eu senti nesse dia. A minha impaciência ridícula me fez cometer um erro e desrespeitar aquele cidadão. Era eu mesmo que estava sentindo os danos e era a minha consciência que me acusava.
Acho que os piores erros a gente comete antes de fazer ou falar qualquer coisa. É quando a gente pensa.

Marcos Oliveski

Nenhum comentário:

Postar um comentário